Não, não cheguei apenas agora a
Santiago de Compostela!
Desde a última vez que estes
mundos se encheram de palavras, estive a viver: primeiro, a mágica experiência
da Caminhada a Santiago de Compostela; depois, os dias encheram-se das minhas
pessoas e dos meus lugares. Haverá algo melhor do que isso??
Contudo, fui atualizando
novidades no instagram – já foram lá
visitar-me? [Confesso que andei e ando um “pouco muito” viciada naquilo.]
Focando, Olá Santiago!
[Fonte: Oficina do Peregrino. Foto e edição: 1981 MM.]
Há vivências que, por mais
palavras que se usem, nunca vão conseguir transmitir a intensidade, a
profundidade de tudo aquilo que se vive pelo caminho. Talvez por isso,
procrastinei tanto este tema até não poder mais. Como escrevi na última publicação, não foi a primeira vez que o fiz. Da primeira vez, deixei apenas um
apontamento fotográfico muito breve, aqui.
Se uma imagem vale mais do que 1000 palavras, um sentir vale mais que 1000
imagens. E, também por isso, fui adiando partilhar este Caminho, que é uma das
melhores e maiores experiências da minha vida.
Escolho o agora – este é o
momento certo para vos fazer chegar Santiago. Porquê? Já não tenho uma
caminhada na mochila da minha vida, mas sim duas. Duas caminhadas tão
diferentes em tudo. E acredito que isso contribuiu para, desta vez, ter chegado
cá tão cheia de coração, tão cheia de paz e mais feliz, mais alegre, mais
forte. E como 2 é mais do que 1, agora tenho duas vivências em comparação.
Reconheço que nada é comparável com outro nada, porque cada “nada” é único, mas
torna-se inevitável ao meu cérebro e ao meu coração. Acrescentei a este 2 um 3,
que é uma experiência de vida na terceira pessoa.
Para quem queira “fazer o
Caminho” e para quem não o queira fazer, mas compreender as motivações e
experiências de quem o faz, recomendo vivamente a leitura de “Bom Caminho”, de Fausta Cardoso Pereira.
[Fotos e edição: 1981 MM.]
Editado em dezembro 2013 [atualizadíssimo,
portanto], comprado em fevereiro 2014,
comecei a lê-lo dias antes de dar início ao meu segundo Caminho, mas consegui
terminá-lo somente agora. Ofereceu-me uma perspetiva diferente, de quem viveu a
experiência de dois Caminhos, o primeiro de bicicleta, o segundo a pé,
acompanhada por uma e duas pessoas em cada caminho, respetivamente.
Em que é que a minha experiência foi diferente da dela?
Eu fui acompanhada por 108
mágicas pessoas no primeiro Caminho, 101 no segundo. Como podem deduzir, esta
diferença quantitativa [e qualitativa também]
do número de pessoas também faz TODA a diferença em todo o Caminho.
Como é que eu encontrei mais de 100 pessoas disponíveis para
caminhar comigo até Santiago, na mesma altura do ano?
Quem explica essa sinergia simbiótica
tem o nome de G.A.S.Porto – Grupo de
Ação Social do Porto, a ONGD que acrescenta algo maior e melhor à minha
vida!
Quem me conhece e quem me
acompanha por estes mundos há algum tempo já leu sobre o G.A.S. Porto aqui,
aqui, aqui e aqui também [no mínimo!!]…
Quanto às motivações, bem…
[Foto e edição: 1981 MM. Fonte:
Páginas do livro Bom Caminho]
Cada pessoa que faz O Caminho
tem as suas motivações, sejam elas intrínsecas (de foro pessoal) ou extrínsecas
(relacionadas com motivos externos). A mesma pessoa que faz o Caminho mais do
que uma vez, em cada vez leva as suas experiências, perde o que tem a perder,
ganha o que tem a ganhar. Cada Caminho é O Caminho. Cada Caminho é UM. Único. E
nós, aqueles que fazemos o Caminho, não somos os mesmos que eramos antes da
partida. Cada Caminho tem o poder de nos transformar. A pessoa que parte não é
a mesma que regressa. Assustador?! Não, nada disso! Revelador!!
Será por isso que quem faz o Caminho pela primeira vez tem sempre
vontade de repetir o Caminho? Porque nenhuma
repetição é repetição.
Além de se poder optar por vários Caminhos [o Português, o
Francês, o do Norte, o Inglês, o “Via de La Plata” são os mais conhecidos], as pessoas que nos acompanham podem ser
outras, as mesmas pessoas também já são outras, as pessoas com quem nos
cruzamos no caminho são outras também, a TUA
pessoa também já é OUTRA relativamente ao Caminho anterior. As condições
meteorológicas podem não ser as mesmas [e como isso foi determinante nos meus dois
caminhos!!], bem como os espaços físicos [os albergues, os
mosteiros ou os pavilhões desportivos, no nosso caso] onde se pernoita. Em suma, TUDO é diferente e encarado como uma nova primeira vez. Claro que
estou a referir-me a quem faz o Caminho pelo Caminho. As modas e tendências
atuais contam-nos as histórias de muitos que fazem o Caminho apenas para contar
kms, seja nos pés, seja nas rodas, ou até mesmo nas patas, porque o Caminho
também pode ser feito a cavalo. Sim, estas são as três autênticas formas de se
chegar em peregrinação a Santiago: pé,
bicicleta ou cavalo.
Peregrinação?
Ainda não tinha aqui introduzido este conceito. Ouve-se muito falar das
peregrinações a Fátima [eu ouvi isto quase toda a vida, ou o meu segundo nome, depois de
Maria, não fosse esse!!]. Todavia, não se
ouve tanto a expressão “peregrinação a
Santiago”. Tendemos a definir peregrinação como um momento sofrido de fé. Será o Caminho de
Santiago um momento assim? Para mim, que nada
sou e que apenas duas experiências de peregrinação trago na mochila, fazer o
Caminho de Santiago não é o mesmo que fazer o Caminho de Fátima, embora os dois
se cruzem pelos caminhos de Portugal e embora eu nunca tenha percorrido o
caminho de Fátima.
[Foto e edição: 1981 MM.]
Diz-se que o peregrino é aquele
que caminha em busca de algo espiritual. Se assim é, eu já era peregrina antes
mesmo de o ser.
Ouvi em tempos dizer que um
sapiente caminhante de muitos caminhos postulava que o Caminho de Fátima é um
caminho de fé, de dor, de promessas a cumprir, e que o Caminho de Santiago de
Compostela é um caminho de autoconhecimento, de revelação, de transformação, de
dentro para fora e de fora para dentro. Não quero com isto dizer que não se
sofre até Santiago. Muito pelo contrário! Além de se sofrer no corpo, sofre-se
na alma. Mas, o sofrimento da alma recebe também uma cura…se não for pelo
Caminho, será certamente na chegada ao destino – a Praça do Obradoiro, a
Catedral de Santiago.
[Foto e edição: 1981 MM.]
Acredito de corpo e alma inteiras nestas
palavras. A pausa paradoxal que se faz pelo Caminho de Santiago é aquela pausa
que nos obriga a parar tudo nesta vida que vivemos aqui, para, durante 5/6
dias, pararmos sem parar de caminhar. “Andar
sem parar” enquanto se pára a mente para “ir mais fundo”.
E, sem querer ser pretensiosa,
vou aqui introduzir um novo significado, cuja palavra raiz ainda não fiz
nascer. Explicando, “Ultreia” e “Suseia” são duas palavras
frequentemente utilizadas no Caminho. Não só são uma saudação e cumprimento
entre peregrinos (um diz Ultreia, o
outro responde Suseia), como também é
o grito pronunciado pelos mesmos [já desde os tempos da Idade Média], quando avistam as torres da Catedral e também quando lá
chegam, para simbolizar a alegria de terem chegado ao “fim” da peregrinação.
Curioso este fim, na medida em que o fim do Caminho é sempre um novo recomeço,
um novo início.
Mas, o que querem dizer estas duas palavras?
Ultreia significa “mais
além”. Suseia significa “mais acima”. O objetivo é ir mais
além, ir mais acima, acreditando que tudo é possível, superando todos os nossos
medos e desconfortos, aprendendo a re-definir e apreciar o que é essencial.
Quando assim é, acredito que também estamos a “ir mais fundo”, não de
Santiago, mas de nós próprios, de quem somos hoje. É conhecer um nível de
profundidade que até então não tínhamos alcançado. Ao ir mais além e mais acima,
com a proteção das estrelas [sabiam que Compostela significa “Campo de Estrelas”? E que antes
de existirem as setas amarelas que marcam o Caminho, era a Via Láctea que
orientava os peregrinos?], estamos, na sua
relação inversa, a ir mais fundo
também – à radicalidade, à raiz do nosso EU.
Há tanto para descobrir no
Caminho de Santiago de Compostela que precisaria de um blogue inteiro para
desvelar a experiência deste mundo! São tantos os momentos que tenho vontade de
partilhar que há sempre um ou outro que só me lembro depois. É, de facto, uma
experiência que marca toda a minha vida. Desde a primeira vez que fiz o
Caminho, dei por mim a referir essa experiência em muitas conversas de café, em
algumas apresentações públicas, em outras salas de aulas. É, realmente, um
Caminho que nos torna diferentes. Na maioria das vezes, mais fortes, mais
intensos, com vontades maiores, mais simples, mais posicionados no mundo. Para mim,
foi e ainda é uma experiência que serve de referência em muitos momentos da
vida que vivi depois do Caminho. Há, sem dúvida, um A.C. e um D.C. [sem qualquer
relação com a religião Cristã ou com o fenómeno Cristiano Ronaldo] – Antes do Caminho e
Depois do Caminho.
Sabem o que é mais curioso?
Vocês, que ficaram por cá,
também estiveram a caminhar, a criar e a construir o vosso caminho.
Cuidaram bem de vocês pelo caminho?
[Foto: G.A.S.Porto]